o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

ESTAS ÚLTIMAS PALAVRAS AO PÉ DO VESÚVIO


DOCUMENTÁRIO SOBRE CLARICE LISPECTOR


o documentário abordará um dos raros acontecimentos da vida de clarice que segue pouco conhecido do grande público - a estada de clarice por seis meses em belém do pará. nos primeiros dias de janeiro de 1944 ela lança seu romance de estreia, perto do coração selvagem e, recém casada, viaja para belém a caminho de nápoles, na itália, onde acabará por visitar as lavas ainda quentes da última erupção do vesúvio. no filme esse fato se desdobrará como um acontecimento fatídico, pelo gesto da escritora de se virar e olhar para trás como um animal à espreita. para ela, para além da literatura, as fronteiras estão fechadas. e esse gesto acabará por deflagar toda a história.

em belém clarice permanecerá trancada num quarto de hotel no centro da cidade - lê muito e recebe boa parte da crítica feita sobre seu livro. e cartas, muitas cartas, sobretudo de lúcio cardoso. e uma de mário de andrade que se extraviará e no filme expressará mais do que um mistério - a condição de inacessibilidade e ruptura que envolverá a vida e obra de clarice.

o documentário evocará a escritora jovem, iniciante - orfeu desatento e inseguro - mas que já se deixa marcar por uma escrita de subversão. exibirá o cenário literário local, num período que se encaminha para o final do modernismo, onde se destacam bruno de menezes, dalcídio jurandir, francisco paulo mendes, paulo plínio abreu, ruy barata, cauby cruz e haroldo maranhão.

o documentário é uma homenagem aos setenta anos da passagem de clarice por belém - e os setenta anos de publicação de perto do coração selvagem.

ney ferraz paiva

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O POETA E O LANDAU

                                 Rogério A. Tancredo
                  Imagem: Jean Baudrillard


Entre os lançamentos da ótima safra de livros de poesia dos últimos anos – alimentada por editoras “menores” que vão na contramão do mercado editorial – um chama atenção não só pela força e beleza de seus poemas, mas por seu título, falo do instigante Arrastar um landau debaixo d’água, de Ney Ferraz Paiva, lançado em 2015 pela jovem e corajosa editora Patuá. Conhecido por seus títulos que remetem às suas preferências e influências poéticas como Nave do Nada tirado de um verso de Paulo Plínio Abreu (seu conterrâneo), Arrastar um landau debaixo d’água não foge à regra, fora tirado de um poema do francês Henry Michaux. Não vamos nos deter aqui em falar sobre suas preferências – se o faço é apenas como forma de introdução e sim do título curioso (assim como Uma faca só lâmina ou O cão sem plumas) que nos remete a pensarmos o atual, ou seja, o contemporâneo. Se destacarmos do nome do livro a palavra que mais chama atenção nos deparamos com a figura do landau, carro outrora luxuoso, cheio de pompa, que hoje não passa de uma “banheira”, “lata velha” emprestando os termos dos apaixonados por carro, ou de artigo de colecionador para embelezar os salões. Tal qual, o poeta não é diferente do famoso carro, que nos dias atuais, segue encarquilhado, sem uso prático, de serventia de pouco valor, a não ser ornar as estantes cheias de livros não lidos. Isso se pensarmos a palavra landau separadamente, e logo fazendo uma analogia com a figurado do poeta, já daria o que falar, imagine se nos debruçarmos sobre o criativo título Arrastar um landau debaixo d’água aí a coisa começa a ficar interessante porque já não estamos falando de figuras obsoletas, como queiram alguns, mas do fazer poético propriamente dito, do “arrastar” para ilustrar esse fazer.

Todos sabemos que a contemporaneidade se constitui como uma dobra da modernidade por acentuar a dimensão melancólica e desesperada da irmã mais velha. Além disso, podemos notar um afunilamento em relação às exigências profissionais, é uma época marcada pelo pensar prático e objetivo, onde as coisas têm de ter uma função, desconsiderando àquelas que não tem função alguma – como a poesia – mas são o que são e se explicam por si só. Fazer poesia nessa época que não pensa mais o mito como verdade e sim como uma função prática, onde você tem e deve ser o melhor, acaba sendo um grande sacrifício, como matar um leão a cada dia, ou seja, é arrastar um landau debaixo d’água. Quem aceita sacrificar-se assim acaba como um cavaleiro de armadura andando pela cidade cheia de máquinas e arranha-céus. O poeta é o fantasma fora de seu tempo, sob o elmo tem uma visão distorcida e disforme, mais próxima do que chamamos realidade. No poema “A LOUCURA SEM REPOUSO”, título que remete ao sacrifico de escrever, espécie de doença que move o poeta, podemos notar em seus versos como este vê a cidade através do limiar que a razão tenta esconder: [...] a paisagem de uma cidade/ enfermaria a céu aberto/ é feita de carne/ deteriora despedaça separa [...] A cidade, é o palco dos dramas a serem vividos, seus cidadãos vivem sufocados pelas exigências que esta impõe: [...] tosses suores asfixias/ em busca de ar fresco pessoas descem ruas/ mercados rios praças/ uma musculatura louca/ também isso a arte faz/ traz cadáveres à rua/ pra revoar os pássaros do horror ...

A arte serve para pensarmos o agora, o que fora dado, imposto, amplia o que a história tenta diminuir. Precisamos voltar a um ponto de partida para recomeçarmos, se é que existe esse ponto. O contemporâneo – neste caso o poeta – é aquele capaz de ver para além do clarão que nos ofusca, é como nos diz Agamben: “o contemporâneo é aquele que percebe o escuro de seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo, algo que, mais do que toda luz, dirigi-se direta e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém do seu tempo. Arrastar um landau debaixo d’água é estar fora e dentro do seu tempo. Fora porque ainda se escreve poemas apesar das adversidades e exigências impostas pelos novos tempos, e dentro porque aquele que os escreve é capaz de enxergar os males de sua época. Aliás, o tempo inexorável, que a tudo corrói e no qual estamos imersos é um tema constante no livro: acende meu cigarro Augusto dos Anjos/ fim de semana fumo a ruína dos anos/ viro duas páginas (sábado & domingo) / não mantenho mais a casa limpa/ não me alimento não verifico o correio/ você se apressa a me oferecer fogo/ fumo pra escamar o dia o beijo a faísca. Para suportar tanta loucura e doença, além da poesia, temos os vícios, que ajudam a seguir adiante, nesses dias difíceis em “IMAGEM DO VELHO POETA QUE SE EXERCITA COM PESO DE PEDRAS DO MUSEU DE OLYMPIA”, espécie de Ode ao cigarro (companheiro fiel do ato de solidão que a escrita exige) o poeta diz: tenho fumado uns cigarros um pouco de/ tabaco faz eu me sentir menos esquisito/ sem cigarros não consigo escrever aquele/ prefácio nem consigo fazer a barba ficar/ bonito tenho uns amigos que sem fumar/ conseguem ser bons poetas em Curitiba/ em Belém não consigo escrever uma linha...

Debaixo d’água o landau segue falando do peso de se viver o contemporâneo, da luta do poeta para suportar os dias – cheios de angústias que se repetem incessantemente:  era o rádio sintonizado num som aleijado/ era o rádio mergulhado no vômito no sofá/ era o rádio insaciável embriagado censurado/ era o rádio paralisado por um câncer devastador/ era o rádio indo às montanhas respirar o ar da vida [...] E dentro dele estão todos e niguém, principalmente aqueles que se retiraram para dar voz a outros como Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Ana Cristina C,  Bukowski, Fernando Pessoa, Adília Lopes, Silvia Plath, Anne Sexton, Francesca Woodman, Frank Gehry... personas que através de sua arte propunham outra coisa, não esta que nos arrasta para um fim desconhecido, nebuloso. Igualmente a eles, Paiva se coloca contra a mesmice contemporânea com uma força poética de rara beleza que questiona, insurge-se contra o presente. Em tempos onde tudo está sujeito a um mercado, cheio de “Escritores” que produzem para agradar a X e a Y, o autor vai contra esse movimento “por uma literatura menor”, para viver submerso na essência da poesia, no subterrâneo da linguagem.   


















   

terça-feira, 22 de setembro de 2015

ARRASTAR UM LANDAU DEBAIXO D'ÁGUA


UM HORIZONTE PROVÁVEL: 

AUTOMÓVEIS SUBMERSOS

Redemoinhos de vida se alastram.
A noite ferve o mundo.
Imergir para outros trânsitos. A imagem do automóvel submerso funciona como umbral, enlace para curvas sem consolo, talvez mais, para os lados, para o subterrâneo. Finalmente evadir-se dos pontos. Pontos fixos embaraçam as linhas, obliteram ondas. É preciso escapar do foco, sobretudo dos mapas e mapas do mesmo. Desenhando uma outra cartografia, Ney Ferraz Paiva nos diz sem receios: “escrever é não ter chaves/ dos mares portos ilhas/ périplo a esmo no Pacífico”. A poesia de Ney Ferraz Paiva se desloca num ciclo vicioso cuja persistência equivale a uma vontade de despertencimento, força [in] transitiva que não cessa de se perder, acontecimento que desata num desejo escapadiço, movimento no qual escrever se consagra num erro essencial. Sim, o jogo se deflagra ainda na literatura, é disso que se trata, de escrever como questão do escrever, demanda da escrita. Demanda que na poesia de Paiva acontece com exigência de uma experiência de descriação, que consiste em subverter os pontos, des-criar o real, ser mais sensível do que o fato que ‘aí’ se posta [a escrita vigente] e imergir para as bordas de um horizonte outro, da escrita na sua possibilidade plural. Ou seja, da escrita como deslizamento sem fim, imanente à liberdade selvagem do escrever. É assim que a poesia se efetua em Arrastar um landau debaixo d’água: fértil de encontros, cesuras, derivações, se arrastando “contra maré”, mas ainda “na correnteza”. Portanto, na contramão, mas resvalando numa linha (de possível) que se desdobra num duplo processo de recusa – do galardão e do senso comum – numa negação que afirma outras aberturas. Já não se trata do possível como mero campo de possibilidades, fortuito, gratuito, mas o possível criado necessariamente, mesmo que a partir de uma impossibilidade. É a poesia irrompendo numa situação de combate: “arrasto um Landau debaixo d’água/ contra maré na correnteza/ não me agarro a mais nada/ o vento é meu desafeto/ me afoga o quanto pode/ o cérebro os intestinos/ num câncer que vai metamorfoseando/ enferrujando secretamente/ mas muito de propósito/ [...] um Landau afogado vai passando rasteiro/ o passeio que homem algum jamais teve/ – suave amável mórbido/ Landau para doentes/ levados para fora do alcance”. “Suave amável... Landau para doentes”. Essa passagem não deixa de ser uma imagem que remete ao ‘filósofo vitalista’, aquele para quem a compreensão da doença se amálgama a uma potência de vida, a algo que entende a doença não como inimiga, pois a doença em si, segundo o filosofo, não traz a sensação da morte e sim aguça a vontade da vida. Mas quem são os doentes? São aqueles marcados por uma força, os “grandes viventes”: são artistas, poetas, pensadores, corpos sensíveis, cujas vidas se atravessam na fronteira entre doença e saúde, oscilando numa alternância entre a potência e a debilidade. E quem são? Fotógrafas, Poetas, Reclusos, Dramaturgas, Perdedores, Escritores, Suicidas, Suspeitos, Náufragos, Desertores; uma raça forte, poderosa constelação: “todos aqueles que deixaram a sanidade para trás”. O Landau e seus doentes, tal como a nau dos loucos, se arrastam para fora do alcance da vida ordinária, para dentro de outra compreensão da vida, sem subterfúgios, total, fora dos dispositivos de controle, fora do alcance dos poderes, dentro dos abismos da experiência literária. Experiência oscilante entre escrita e furor, engendrada sob o signo de uma força bruta – força não corpórea (que age contra o corpo), cujos enunciados embaralham os contornos do mundo, desfiguram identidades, desmantelando as fronteiras e os códigos literários, alcançando imagens das quais o reflexo causa uma sensação de inquietação: “O poema é cama para transportar alguém ferido ou morto/ arte pode ser velha e ter algo de extrema violência e revolta/ [...] rogai pela carne crua da noite quebrai meus ossos ao amanhecer”. Na poesia de Paiva prevalece um movimento no qual a experiência de escrever não é ainda senão uma violência que tende a se abrir e a se fechar. Acontecimento que se abre, mas que tende a se retirar para o infinito de outras margens, num retorno excessivo. Nessa esfera, a poesia torna-se então a intimidade em luta por momentos irreconciliáveis, experiência dilacerada entre a efetuação da obra como origem e a fratura onde ela reina como ilimitada. É, portanto, a essa direção [o ilimitado] que a poesia de Paiva nos arrasta e é precisamente a essa direção que ela se desloca. Arrastar um landau debaixo d’água: momento solene cuja estranheza angustiante todo aquele que atravessá-la, de algum modo, o reconhecerá. Não se trata da aflição diante da obra, mas o desassossego diante daquilo que se arrasta com a obra: o ingovernável, fotogramas do imperceptível, o jogo das margens áridas. São experiências possíveis senão por um intenso e exaltante movimento da poesia.



Nilson Oliveira, Prefácio, Arrastar um landau debaixo d'água
Capa: Leonardo Mathias

domingo, 30 de agosto de 2015

MAX MARTINS
Ensaio fotográfico

       
       Já então é tudo pedra/ os dias, os desenganos.
 

Ney Ferraz Paiva 


quarta-feira, 1 de julho de 2015

Em louvor do Espanto

Nada nos espanta porque nada é novo. Não estamos jogados no meio das coisas, mas no meio de instrumentos. Esses instrumentos são, no fundo, prolongamentos e projeções do nosso próprio eu. As máquinas são nosso braço prolongado, os veículos nossas pernas prolongadas, e o mundo em geral é uma projeção do nosso eu sobre a superfície calma e abismal do nada. As feras que ainda aparecem são cachorros projetados por nós para guardar nossas casas. Os trovões que ainda trovejam são movimentos de ar projetados por nós para carregar nossos aviões em voo fútil. As árvores que ainda brotam são matéria-prima projetada por nós para ser transformada em instrumento. E o “outro” que compartilha conosco esse mundo instrumental é, ele próprio, instrumento, sendo fornecedor ou consumidor, parceiro ou concorrente. Nossa atitude diante desse mundo dos instrumentos é a atitude do déjà vu, a atitude do “já vi tudo”. Os instrumentos não nos advêm da penumbra misteriosa, não são venturosos. Pelo contrário, estão aqui, diante da nossa mão para servir-nos. Tomados de nojo dessa servilidade somos nós que saímos em busca desesperada da aventura, desautenticando, por esse nosso movimento deliberado, a própria essência da natureza, que é um “advir”, e não um “ser buscado”. Essa nossa busca inautêntica de aventura, que é no fundo uma fuga do tédio, e que caracteriza tão bem a situação atual, é já uma tentativa fracassada de responder à pergunta “por que não me mato?”. A transformação do mundo espantoso das coisas milagrosas no mundo nojento dos instrumentos tediosos é uma transformação lenta. Levou milênios para realizar-se e ainda não está completa. Ainda restam, na situação atual, grandes províncias “subdesenvolvidas”, grandes ilhas do maravilhoso a flutuar no oceano dos instrumentos. Mas, protegidos como somos pela muralha dos instrumentos, não nos ameaçam esses restos de um mundo ultrapassado. E embora continuemos avançando contra essas regiões mal exploradas com rapidez impiedosamente acelerada, não nos seduz esse avanço, já lhe conhecemos o resultado: transformação do maravilhoso em tedioso. Nesse sentido, sim, podemos dizer que o processo de transformação do espanto em tédio está completado, por assim dizer por antecipação do resultado. Ainda resta muito a fazer, mas já não vale a pena fazê-lo. É nesse clima que Camus formula a sua pergunta, e é nesse clima que grande parte da nova geração vegeta.

[...].

Creio que somos uma geração em transição, e que assistimos ao fim de uma época e ao surgir de outra. A Idade Moderna transformou a natureza em parque industrial e tornou-a tediosa. Esse tédio de fin de siècle nos faz perguntar: “por que não me mato?”. Mas sentimos as dores de parto de uma Idade nova. A natureza esvaziada, e os métodos de sua investigação, como ciência e tecnologia, tornaram-se desinteressantes existencialmente, mas surge um fascínio novo, ainda não articulável, mas existencialmente sorvível. O perigo desse novo fascínio reside no seu possível antiintelectualismmo, e a tarefa da nossa geração é intelectualizá-lo. É uma tarefa nobre, e nela reside, ao meu ver, a resposta à pergunta: “por que eu não me mato?”. É uma tarefa espantosa. Aristóteles diz: Propter admirationem enim et nunc et primo homines principiabant philosophari (É pelo espanto que os homens começaram a filosofar antigamente e hoje em dia). Enquanto esse espanto da filosofia persistir, não há motivo para matar-se.




Vilém Flusser – Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, 25 de abril de 1964.
Colagem Ney Ferraz Paiva

sábado, 23 de maio de 2015

Max Martins, Poeta

Eu era dois, diversos?
Guimarães Rosa


Max Martins sou eu, o Max Martins que há em mim. Mas não vou tomá-lo por um espelho, sequer uma máscara. Ele é a feição pura de um ícone, ainda que tenha tido a face desfigurada pelo tempo e pela doença. Em sua obra, não há encenação nem representação: Max, como Poe, declara guerra. E nem mesmo será correto trazer o modernismo a mais esta peleja. Como movimento literário o modernismo não foi exatamente imprescindível a ele. Max é, antes de tudo, um poeta da modernidade. Porque no combate suas armas vão se tornando progressivamente menos angélicas do que daquele, uma vez que os demônios maus não cessam de transgredir. Max haverá de escapar às poéticas relacionadas ao modernismo – entre ele e elas haverá direções opostas, guinadas, reviravoltas. Decorrem rebeliões não só da forma como da invenção. Enquanto um se estratifica como evento histórico, o outro se torna estranho aos modos e práticas dos grupos e se lança ao alcance imprevisível de uma poética que se entregará às aberrações. O atravessar do poeta a uma desfiguração do “eu” como essência e representação, por estar, na verdade, em busca da singularidade (casualidade, diferença) nos jogos de acaso e azar com a linguagem. Desde as más influências, observadas a partir da proximidade com a obra de Mário Faustino, Robert Stock, Henri Miller, expressas em Max já na publicação do seu segundo livro, Anti-Retrato (1960). Max confirma Barthes: "A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro." Ele sempre tentará uma aproximação imanente com as forças intensas da poesia e da arte. No que se esquivava, quando dizia não, exercitava a espera, a maturação, e almejava uma existência própria para chegar, a seu modo, à inevitável conclusão. Dão-se datas ao poeta, sobretudo a partir deste livro, porque com ele virá a obra que fará submergir definitivamente o autor. Colocar-se entre parêntesis. Subscrito. Tornar-se infactível. Nós que estivemos junto a ele na maturidade e na velhice, tudo que se pode dizer aqui talvez não passe de uma descrição inverossímil, como tantas a seu respeito. Nós que estivemos juntos na literatura e na amizade pela poesia. E somos ainda seus leitores, esses seres aos quais ele tentava se esquivar, não dar pistas. Fugir às perguntas, curiosidades, aplausos, sobretudo aos elogios. Reservado, recolhido, cético. Porque como poeta, nada parecia lhe fazer falta, entregue ao lema da criatividade e da novidade imprevisíveis. "Sê criativo o dia todo/ Te empenha o dia todo cauteloso/ voa/ mesmo hesitante sobre o teu malogro". Desde os anos 1940, quando escreve os poemas de O Estranho (1952), até a sua morte (2009), completam-se quase 70 anos de atividade com a palavra. Uma jornada longa e cheia de cintilações: poemas que ecoam poemas e não se desgastam, nem malogram – mas intensos, ascendem.






Ney Ferraz Paiva

quarta-feira, 11 de março de 2015


Cacaso ao acaso


Fui amigo do Cacaso o Antonio Carlos de Brito
Lá de Uberaba que nem eu & que morou
Encostadinho à fazenda do meu avô
Levávamos uma vida excitante de moleque
Depois ela foi se abrindo como um abcesso
Dele li dois ou três livros deixe-me ver: “Mar de Mineiro”
“Lero Lero” “Segunda Classe” “Beijo na Boca” “Jogos Florais” –
Eita que foram cinco! 
“Palavra Cerzida” preferi não ler por causa do prefácio do 
José Guilherme Merquior de quem sempre fomos inimigos – 
Tem sujeitos que pelejam sempre contra certas coisas
De dentro de seu pequeno ringue iluminado
O mundo & os livros ficam sem conserto
Dizque tem rua de nome Cacaso em Jacarepaguá
Isso não é em Uberaba não é no Rio de Janeiro
Convivemos mais pacificamente com ditadores do que com poetas
Uberaba & os críticos teimam em ficar do jeito que sempre foram





Ney Ferraz Paiva


Jardim & Cemitério

Não gosto muito de citá-lo, nem penso que a leva contemporânea de escritores e poetas entenda-se & desentenda-se com o verbo dentro do que se consagrou chamar de "período literário" – agora as imagens fortes de Antonio Candido ainda perduram & prosperam pelos cemitérios-parque da literatura espalhados por aí, vejam: "Cada período literário é ao mesmo tempo um jardim e um cemitério, onde vêm coexistir os produtores exuberantes da seiva renovada, as plantas enfezadas que não querem morrer, a ossaria petrificada das gerações perdidas."



Ney Ferraz Paiva
Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira, Editora da USP/Editora Itatiaia, 1975.

Lei Semear o quê?


Entre os critérios específicos para análise dos projetos na área de Literatura submetidos à Lei Semear consta, cito: "valorização de abordagens de temáticas históricas ou cotidianas do cenário paraense, independente do estilo artístico escolhido". Penso que se constitui uma exigência descabida e anacrônica solicitar que o cenário poético (inventivo, criativo, afetivo) dos poetas que atuam em Belém se restrinja (ou seja restrito por força de lei) ao "paraense" - as temáticas históricas e/ou cotidianas estão fortemente marcadas na literatura contemporânea, sim, mas elas nem sempre se restringem a um lugar, o lugar inclusive pode ser fictício, irreal, recriado ou nem constar, escapar (não por indiferença ou despeito mas por opção estética) como fizeram, por exemplo, Paulo Plínio Abreu, Cauby Cruz, Mário Faustino, Max Martins, que atuaram e desenvolveram projetos poéticos distintos, num período muito próximo e na mesma cidade - espaço no qual reinventaram de forma diversa o projeto espiritual de uma época.


Max Martins

Ney Ferraz Paiva