o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A dança dos fantasmas
Sobre as figuras de Ney Ferraz Paiva
Por Nilson Oliveira


Detetive sem mistério, Ney Ferraz Paiva, colagem, 2017.



As figuras de «Numa gaiola com pombos como Magritte» gravitam em instigante jogo de acoplamento e montagem, num movente espiral, cujas formas oscilam cintilando grafias, imagens, traços, rasgos, numa composição plena de margens e atritos. Por vezes são figuras sobrepondo figuras, constituindo uma vertiginosa poética das disjunções.
Tais figuras/espectros, nessa linha de montagem e desmontagem, irrompem para fora de toda quietação, desordenando identidades, num fluxo de erupções e desassossegos.

São sombras sem sombra, rostos realçados pelo fulgor de uma fenda imprecisa. Por vezes estão sós, acuados entre a desordem da tela e o arco vazio da moldura branca. Mas, por outras, acoplados a coisas, a uma máquina, a um fantasma, ou a outrem, com o riso mais comumremota singularidade. Todos, nesse fundo sem fundo, com Magritte, imersos no mistério do caminho.


Seguindo tranquilamente o caminho, Ney Ferraz Paiva, colagem, 2016.



Das figuras, neste abismo de gaiolas e pombos, cruzam a cena, Haroldo Maranhão, Sylvia Plath, João Cabral de Melo Neto, Max Martins. Todos, numa sensível relação de metamorfose entre o espaço, a escritura e o vazio.
Vigoroso elo entre corpos e escritas, cujos desdobramentos implicam numa experiência: a ideia da colagemzona de cópula e atritoefusão de cortes e suturas, imagens contrabandeadas, devaneios do resto, garatujas.
Essas experiências derivam de forças imperceptíveiscubismo, surrealismo, arte popna direção do vitalismo possível no espaço do fazer artístico. De outro modo, se articulam na interface dos combates entre imagem e poesia, na cadência de um pensamento no qual o gesto se consagra nas distinções entre o mundoda literaturae o que pulsa na imprecisão do fora mais longínquo.

Nesses pouco mais de 20 anos de poesia, os caminhos de Ney Ferraz Paiva sempre foram antípodas do repouso, no trabalho braçal do poema, de jornada em jornada, na inquieta busca da poesia.



terça-feira, 21 de novembro de 2017

CHELSEA HOTEL MAIO DE 1971





No decorrer de uma manhã de brincadeiras
Como num filme de Hitchcock
Você me deu uma faca
O suspense entre nós estava criado
Sob o chuveiro você convida
Atenta ao perigo que a cerca
A faca risca a cena
Obriga o corpo a uma tarefa delicada
De olhos vendados
Passo a marcar você
A dor se abre como uma árvore
Mão suspensa no ar
Tudo que vai colher
Deixo todos os traços da minha passagem
A febre o corte o rasgo
















Ney Ferraz Paiva