o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DIGA-SE ENTRE PARÊNTESES

(lembro-me de ter sido convidado
por um grupo de artistas de circo
a me deixar enforcar pelo elefante
faminto no centro do picadeiro)

(sem ensaio truque combinação
seria o número principal da noite
alguém anunciou pelo alto-falante
a coragem de fazer o que não sabia)

(você se dobrou de rir do meu medo
não tive como não decepcionar
terminantemente opostos os destinos
do elefante e do poeta no picadeiro)



ney ferraz paiva
Mary Ellen Mark

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

CARTA AOS LEITORES



Nem mesmo a literatura é capaz de suster tanta
paixão que faz vibrar o leito e o seio e os
recônditos lugares a dizer: eu, eu, eu ou outro
nome qualquer que me arraste úmida
menstruada e inutilmente repetindo as
esquivas figuras da véspera. Mais uma
vez me reclino bêbada sobre teus
órgãos delicados. As palavras escorrem
como líquidos lubrificando as passagens
ressentidas. Murmúrios sofridos: nunca
te senti tão longe, nunca gritei assim por
ti, nunca o teu corpo coube assim no
meu. Murmuro nome e corpos e
conheço a tristeza desse erotismo
abandonado entre as sequelas de uma
rede. Rabisco meus órgãos, recupero a
fêmea entre sílabas, o varão
despido do varonil apreço mas
não verto tua presença
menstruo tua presença
ao fim do dia. Que
este sangue recubra o
doce álcool que me
distrai. Pérfida esqueço
teus gracejos. Mas qual.
Estes passos ainda percorrem
minha espinha, mesmo que
virgem te aguarde semi
aberta.


 

Ana Cristina Cesar