o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sábado, 16 de fevereiro de 2013


SOLETRAR ADENSAR NÃO INTERPRETAR JOÃO CABRAL

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la
captar sua voz inenfática, impessoal,
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada,
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições d pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Certo está que poesia não educa - nem poeta é educador. Essa não é uma questão para João Cabral. Pelo que consta em sua biografia, ele nunca se pôs a falar a pedagogos. Acontece que ele, de alguma maneira, parece querer fazer uma inversão nas funções de poder, nas suas regras metodológicas. Ele declina da "pedra" sua carnadura feminina, sua fluição, sua voz. Estabelece um contraste, e mais, uma antítese entre o ambiente viril de quem aprende e o modo de abordagem de quem ensina. E quem saberá captar, aqui-agora, nestes Brasis e Espanhas, a música da "cartilha muda"? Soletrar. Adensar. Não interpretar. O agravo objetivamente feito contra o discurso. Gemidos ao invés de música/ gritos que escapam à representação /que reagem a qualquer significação. E para onde terá ido aquela semelhança, ou melhor, similitude atribuída ao discurso verdadeiro e falso por Hesíodo? Atos de pensamento, mais do que figuras retiradas do cotidiano através do olhar, de uma tagarelice do vivido. Seriam estas as lições? As visões? Participar do "escrevível" a partir de um olhar descentrado das formas reinantes da escrita, que tratam a todos como expectadores da história, habilmente negociada pelas moedas do certo e do errado, da lei, da justiça. Pelo que esses mesmos seriam os mecanismos revertedores da Máquina que tudo arquiva, empenhada em fazer proliferar uma unidade insustentável do discurso. A essa máquina outra - a máquina de comover (expressão de Le Corbusier), a que João Cabral não cessa de operar em O Engenheiro (1945). Fazedor de imagens insólitas, deformadas, sem nenhuma sublimação.

Ney Ferraz Paiva

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