o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012



A armadilha do diário 

por Maurice Blanchot


O interesse do diário é sua insignificância. Essa é sua inclinação, 

sua lei. Escrever cada dia, sob a garantia desse dia e para lembrá-lo 

a si mesmo, é uma maneira cômoda de escapar ao silêncio, como ao 

que há de extremo na fala. Cada dia nos diz alguma coisa. Cada dia 

anotado é um dia preservado. Dupla e vantajosa operação. Assim, 

vivemos duas vezes. Assim, protegemo-nos do esquecimento e do 

desespero de não ter nada a dizer. "Prendamos com alfinetes nossos 

tesouros", diz horrorosamente Barrès; e Charles du Bos, com a 

simplicidade que lhe é própria: "O diário, na origem, representou 

para mim o supremo recurso para escapar ao desespero total diante 

do ato de escrever"; e também: "O curioso, no meu caso, é quão 

pouco tenho o sentimento de viver quando meu diário não recolhe 

seu depósito". Mas que um escritor tão puro quanto Virginia Woolf, 

que uma artista tão empenhada em criar uma obra que retivesse 

somente a transparência, a auréola luminosa e os leves contornos 

das coisas, tenha se sentido de certa maneira obrigada a voltar para 

junto de si, num diário tagarela em que o Eu se derrama e se 

consola, isso é significativo e perturbador. O diário aparece aqui 

como uma proteção contra a loucura, contra o perigo da escrita. Lá, 

em As Ondas, ruge o risco de uma obra em que é preciso 

desaparecer. Lá, no espaço da obra, tudo se perde e talvez a própria 

obra se perca. O diário é a âncora que raspa o fundo do cotidiano e 

se agarra às asperezas da vaidade. Da mesma forma, Van Gogh tem 

suas cartas e um irmão para quem escrevê-las.

Parece haver, no diário, a feliz compensação, uma pela outra, de 

uma dupla nulidade. Aquele que nada faz de sua vida escreve que 

não faz nada, e eis, apesar de tudo, algo de feito. Aquele que se 

deixa desviar da escrita pelas futilidades do dia, agarra-se a esses 

nadas para contá-los, denunciá-los ou gozá-los, e eis um dia 

preenchido. É "a meditação do zero sobre ele mesmo", de que fala, 

valentemente, Amiel.

A ilusão de escrever, e por vezes de viver, que ele dá, o pequeno

recurso contra a solidão que ele garante [...], a ambição de eternizar 

os belos momentos e mesmo de fazer da vida toda um bloco sólido 

que se pode abraçar com firmeza, enfim a esperança de, unindo a 

insignificância da vida com a inexistência da obra, elevar a vida 

nula à bela surpresa da arte, e a arte informe à verdade única da 

vida, o entrelaçamento de todos esses motivos faz do diário uma 

empresa de salvação: escreve-se para salvar a escrita, para salvar 

sua vida pela escrita, para salvar seu pequeno eu (as desforras que 

se tiram contra os outros, as maldades que se destilam) ou para 

salvar seu grande eu, dando-lhe um pouco de ar, e então se escreve 

para não se perder na pobreza dos dias ou, como Virginia Woolf, 

como Delacroix, para não se perder naquela prova que é a arte, que 

é a exigência sem limite da arte. 

O que há de singular nessa forma híbrida, aparentemente tão fácil, 

tão complacente e, por vezes, tão irritante pela agradável 

ruminação de si mesmo que mantém (como se houvesse o menor 

interesse em pensar em si, em voltar-se para si mesmo), é que ela é 

uma armadilha. Escrevemos para salvar os dias, mas confiamos sua 

salvação à escrita, que altera o dia. Escrevemos para nos salvar da 

esterilidade, mas nos tornamos Amiel que, voltando-se para as 

catorze mil páginas em que sua vida se dissolveu, reconhece nelas o 

que o arruinou "artística e cientificamente", por "uma preguiça 

ocupada e um fantasma de atividade intelectual". Escrevemos para 

nos lembrar de nós, mas, diz Julien Green: "Eu imaginava que 

aquilo que anotava reanimaria, em mim, a lembrança do resto... mas 

hoje nada mais resta senão algumas frases apressadas e 

insuficientes, que me dão, de minha vida passada, apenas um 

reflexo ilusório". Finalmente, portanto, não se viveu nem se 

escreveu, duplo malogro a partir do qual o diário reencontra sua 

tensão e sua gravidade.


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