o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

domingo, 21 de outubro de 2012

Desenho de Giselda Leirner


TODOS CANTAM SUA SEMANA...
por MAX MARTINS


Domingo – Compadre, eufórico, copinho de batida de jenipapo na mão, balançava o copo satisfeito, sentado na rede armada no quintal. Sacudia a pedra de gelo no copo, semicerrava os olhos por um instante, como se quisesse ouvir melhor o ciscar das galinhas. Eram duas horas da tarde. Eu o invejava.

Segunda feira – O bilhete marcava um encontro para as dez e pedia o endosso de uma promissória. As dez encontramo-nos. Tudo foi acertado, mais quinhentos cruzeiros que lhe emprestei. Para os selos.

Terça-Feira – Debaixo do birô as pontas de cigarro atestavam o meu mau humor. O lápis arranhava o papel. Os números indo saindo indiferentes, muito cínicos. Iam alinhando-se na folha comuns diabinhos.

— Clarinha telefona. Está ainda inconsolável porque domingo não foi a Salinópolis. O senhor diretor não deu o vale para a compra do maiô. “Fiquei chateadíssima o domingo todo”. Clarinha tem 22 anos e um precário noivo na Guanabara há seis meses. Outro dia pediu que eu escrevesse pra ela uma carta “saudosa” ao Luiz. Clarinha sabe chatear.

Quarta-Feira – José me escreve do Rio. Fala de coisas “secretíssimas” é a prima Helena, sua atual amante. Todo mundo sabe. O que se ignora é se ela será a última como ele diz. “Essa mulher é pra toda vida”. Ela e Mariinha (Mariinha é sua mulher). José é um pouco complicado, mas boa praça.

Quinta-Feira – “Camões também tem borradas como toda gente e tem passos no Lusíada que são uma caceteação, a gente lê porque, por preconceito, quer dizer que leu os Lusíadas. Eu nunca li o Lusíada inteirinho. Me causa, fica pro dia seguinte e não pego mais”. Isto foi dito por Mário de Andrade, Escoei a tarde lendo as cartas dele.

Sexta-Feira – Minha filha menor me pede um laboratório químico de brinquedo para inventar uma droga que a torne invisível.
O mundo marcha. Com a idade dela eu queria um avião para descer com ele em frente à escola e raptar a professora.

Sábado – Porque é sábado, tome Vinicius. O poeta detesta as mulheres que fazem ginástica. “Ela era uma madona de formas arredondadas e modelo grande. A mulher não nasceu para as fitas métricas e, sim, para os homens que as amam”.

— Numa rede, copinho na mão (batida de maracujá), não mais o compadre. O copo está comigo e eu na rede, folheando a prova escrita da minha filha mais velha. Bahia, capital Salvador. Me vem na memória Mario Cravo e o Dr. Rui Barbosa.

— Alguém me perguntou se vou entrar para Academia. Fico admirado. Se todo mundo pensa que sou de lá... Não minto nem desminto. A Academia dá um certo cartaz. Na repartição, no ônibus, entre os vizinhos. Ruim é quando me pedem para escrever uma mensagem de aniversario para o rádio. “O Sr. Sabe. O Sr. É “imortal”, sabe manejar as palavras”. Sempre faço as mensagens. Sou uma boa pessoa, perfeitamente transitável entre meus semelhantes.

— Joca me pede um soneto para a namorada, Marco Aurélio uma gravata para uma festa. Minha mulher um pic nic, minha filha uma bicicleta. Maria quer um abraço, Meireles uma carta de apresentação. Só ainda não dei a bicicleta.



Crônica publicada no jornal A FOLHA DO NORTE, anos 1940.

Nenhum comentário:

Postar um comentário