o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Poesia como prática = Outridade

 (Octavio Paz)


págs. 96-97.

[...] não há poesia sem sociedade, mas a maneira de ser social da poesia é contraditória: afirma e nega simultaneamente a fala, que é palavra social; não há sociedade sem poesia, mas a sociedade não pode realizar-se nunca como poesia, nunca é poética. Às vezes os dois termos aspiram a desvincular-se. Não podem. Uma sociedade sem poesia careceria de linguagem: todos diriam a mesma coisa ou ninguém falaria sociedade transumana em que todos seriam um ou cada um seria um todo auto-suficiente. Uma poesia sem sociedade seria um poema sem autor, sem leitor e, a rigor, sem palavras. Condenados a uma perpétua conjunção que se resolve em instantânea discórdia, os dois termos buscam uma conversação mútua. Transformação da sociedade em comunidade criadora, em poema vivo; e do poema em vida social, em imagem encarnada.

Uma comunidade criadora seria aquela sociedade universal em que as relações entre os homens, longe de ser uma imposição da necessidade exterior, fossem como um tecido vivo, feito da fatalidade de cada um ao enlaçar-se com a liberdade de todos. Essa sociedade seria livre porque, dona de si mesma, nada exceto ela mesma poderia determiná-la; e solidária porque a atividade humana não consistiria, como ocorre hoje, no domínio de uns sobre outros (ou na rebelião contra esse domínio) e sim procuraria o reconhecimento de cada um por seus iguais, ou melhor, por seus semelhantes. A idéia cardeal do movimento revolucionário da era moderna é a criação de uma sociedade universal que, ao abolir as opressões, desenvolva simultaneamente a identidade ou semelhança original de todos os homens e a radical diferença ou singularidade de cada um. O pensamento poético não tem sido alheio às vicissitudes e aos conflitos dessa empresa literalmente sobre-humana. A gesta da poesia ocidental, desde o romantismo alemão, foi a de suas rupturas e reconciliações com o movimento revolucionário. Em um movimento ou noutro, todos os nossos grandes poetas acreditaram que na sociedade revolucionária, comunista ou libertária, o poema cessaria de ser esse núcleo de contradições que ao mesmo tempo nega e afirma a história. Na nova sociedade a poesia seria por fim prática.

págs.100 e 101

[...] A idéia de uma comunidade universal na qual, pela abolição das classes e do Estado, cesse o domínio de uns sobre outros e a moral da autoridade e do castigo seja substituída pela da liberdade e da responsabilidade pessoal – uma sociedade em que, ao desaparecer a propriedade privada, cada homem seja proprietário de si mesmo e essa propriedade individual seja literalmente comum, compartida por todos graças à produção coletiva; a idéia de uma sociedade na qual se apague a distinção entre o trabalho e a arte, essa idéia é irrenunciável. Não só constitui a herança do pensamento moral e político do ocidente desde a época da filosofia grega, como faz parte da nossa natureza histórica. Renunciar a ela é renunciar a ser o que desejou ser o homem moderno, renunciar a ser. Não se trata unicamente de uma moral nem de uma filosofia política. O marxismo é a última tentativa do pensamento ocidental para conciliar razão e história. A visão de uma sociedade universal comunista está ligada a outra: a história é o lugar da encarnação da razão. Ou mais exatamente: o movimento da história ao desdobrar-se, revela-se como razão universal. Algumas vezes a realidade da história desmente esta idéia; algumas vezes procuramos um sentido para a sangrenta agitação. Estamos condenados, a buscar a razão da desrazão. É verdade que, se há de surgir um novo pensamento revolucionário, terá que absorver duas tradições desdenhadas por Marx e seus herdeiros: a libertária e a poética, entendida esta última como experiência de outridade; não é menos certo que este pensamento, tal como o marxismo, será crítico e criador; conhecimento que abraça a sociedade em sua realidade concreta e em seu movimento geral e a transforma. Razão ativa.

Manuel Alvarez Bravo
PAZ, Octavio. Signos em Rotação. Tradução: Sebastião Uchoa Leite. Coleção Debates. Editora Perspectiva.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012









INVESTIGANDO A VIDA DE UM TEXTO BASTARDO
Paulo Leminski

1
"Joyce é o maior prosador do século XX". Semelhante afirmação está sujeita a dois tipos de contestação, extremos. Não é bem assim. Maior, em que sentido? Afinal, há Proust. Há Kafka. Thomas Mann. – Faulkner! No terreno ideológico, as objeções se multiplicam pela infinita imbecilidade que caracteriza o pensamento ideológico. – Solidão aristocrática.– Insensibilidade aos problemas reais do seu povo. – Elitismo hermético.– Intelectualismo pedante e cosmopolita. Do outro lado, cada vez mais abundantes os que objetam. Não é o maior prosador do século XX. É o maior prosador que jamais houve. – Maior que Cervantes? E Quevedo? – E Balzac? – E Stendhal? E Flaubert? – E Dostoievski?! E Tolstoi?! Em que sentido, nesse time de gigantes, Joyce vem a ser o maior? Primeiro, claro, pelo insuperável domínio dos poderes de som e sentido da língua em que escreve: a máquina material com que se expressa a alma de James Joyce só tem paralelo nos poderes sinfônicos de um Beethoven, de um Wagner, de um Stravinski (e esse domínio sobre a arte é um domínio sobre a vida). Depois, pela coerência arquitetônica única que conseguiu imprimir ao conjunto de sua obra o autor de "Dublinenses" (1906), "Retrato do Artista Quando Jovem" (1914), "Ulysses" (1922) e "Finnegans Wake" (1939). Os dois primeiros livros, um, uma coletânea de contos, e o outro um "romance de formação" (um Bildungsroman, como dizem os alemães, grandes cultores do gênero, que começa, no século V, com as "Confissões", de S. Agostinho), os "Dublinenses" e o "Retrato" ainda cabem dentro da estética textual do século XIX. "Ulysses", porém, é puro século XX, o século das megalópoles, das massas, do comunismo, do fascismo, o século do cinema, do rádio, da psicanálise, da bomba atômica, que encerrou a guerra, que começou no ano em que foi publicado o "Wake". Mas o "Ulysses" ainda é, apesar de tantas inovações, um romance,mesmo que seja o "romance para acabar com todos os romances", do dito célebre. O "Wake" já é um texto para o século XXI, prosa, poesia?, o quê? "Ulysses" foi difícil (é cada vez menos). O "Wake", cápsula do tempo, é ilegível (por enquanto).(1)
A irradiação da obra de Joyce atinge uma área imensa na prosa de ficção do século XX. Suas conquistas técnicas, como o monólogo interior, no "Ulysses", fazem, hoje, parte do repertório comum, do parque de recursos de qualquer ficcionista que preze seu ofício. Hoje em dia, o monólogo interior já foi incorporado até pela ficção dita comercial, de consumo de massas: em "Xogun", "best-seller" mundial,James Clavell tira um belo partido desse recurso, outrora, de vanguarda."Ulysses"/Joyce é influência determinante na prosa mais criativa deste século. E a lista dos influenciados, clireta ou in-diretamente, impressiona pela excelência literária: Faulkner, Beckett, Virgínia Woolf, Musil ("O Homem Sem Qualidades"), Broch ("A Morte de Virgílio"), Guimarães Rosa, Carlo Emílio Gadda, Augusto Roa Bastos, Lezama Lima, Cabrera Infante, Burgess...

2
Impecável a coerência crescente da engenharia de vôo entre as quatro obras-primas de Joyce.Nos trinta anos entre os "Dublinenses" e o "Wake", sempre escreveu-se o mesmo livro, o mesmo universo sempre levado a graus cada vez mais agudos de criatividade verbal e inventiva arquitetônica.O mesmo Universo: a Irlanda, a Irlanda, a Irlanda, maldita ilha maravilhosa, duende, sempre rebelde e sempre submissa à Inglaterra, terra de bêbados e excêntricos, de hipócritas e humoristas, com toda a parda mediocridade pastosa de Dublin, sua capital, Irlanda papista, abafada debaixo de um catolicismo retrógrado, castrador, aldeão.O mesmo Universo: vidas rotineiras, sem grandeza, sem horizontes, sem sentido.Joyce só partiu para um exílio espontâneo pela Europa (Paris, Zurich, Trieste) para melhor cultivar, à distância, sua obsessão pela Irlanda, execrada e idolatrada na própria veemência dessa execração, idéia taxa, "agenbite of inwit", memória, o único tempo possível,Os temas, os tipos, e até frases inteiras se repetem, crescendo, dos "Dublinenses" ao "Wake". Joyce nunca saiu da Irlanda. Nunca saiu de sua obra.

3
"Os Dublinenses": a Irlanda, vista do lado de fora."Retrato do Artista" : a Irlanda, vista de dentro."Ulysses": entrechoque entre o fora e o dentro, "monólogo interior", o Dia, a História."Finnegans Wake": síntese dialética entre o fora e o dentro, pura linguagem, a Noite, o Sonho.Na triunfal cavalgada das valquírias dessas quatro obras-primas, "Giacomo Joyce" faz as vezes, talvez, de um filho bastardo, fruto de um prazer furtivo, de um amor clandestino, de um erro da juventude, de uma fantasia erótica.Alinha, assim, com os livros de poemas, "Chamber Music" e "Pomes Penyeach", performances líricas de uma maestria métrica e verbal extraordinária, mas apenas um pouco mais que isso, no século dos "Cantares" de Ezra Pound e do "Waste Land", de T. S. Eliot.Ou com "Exiles", a peça que Joyce quis fazer, mas o mundo do teatro nunca amou.Mas, por favor, não façamos pouco de "Giacomo Joyce". Quando o escreveu, Joyce, terminando o "Retrato" e grávido do "Ulysses", já era, visivelmente, um dos maiores escritores da Europa.Em "Giacomo Joyce", já dá pra ver o surgimento dos germes do "monólogo interior", a técnica central do "Ulysses" e uma das grandes conquistas da ficção do século XX.Joyce teria descoberto o recurso em um obscuro romance francês do século passado, "Les Lauriers Sont Coupés" (1887), de Édouard Dujardin, figura de menor importância, ligada ao movimento simbolista.Esse "monólogo interior" parece consistir, sobretudo, numa súbita (e não anunciada) passagem da terceira para a primeira pessoa no universo do discurso, uma passagem direta, sem índices do tipo, "disse consigo", "pensou", "refletiu", e outros verbos que acusam a interioridade de um emissor.A ficção clássica, realista, naturalista, repousa sobre a falácia da objetividade, fundada, linguisticamente, na terceira pessoa, no pólo do ELE, o pólo das coisas, como se as próprias coisas falassem de si, em lugar de um narrador. É a linguagem de Deus, o narrador onisciente.O monólogo interior representa um princípio de economia narrativa. E, consequentemente, um aumento de velocidade no tempo do texto e da leitura.Alguns traços dele em "O Vermelho e o Negro", de Stendhal (1830).E em Dostoiesvski (1821-1881).O monólogo interior, de resto, representa uma espécie de carnavalização do eixo pronominal do relato. A tarde está linda. Preciso dizer a ela tudo o que sinto. Você não perde por esperar. Ela, eu, você: sem aviso, sem hierarquia, como no fluxo da vida e da consciência, onde eu, tu e ele podem ocupar o mesmo lugar no espaçotempo, sem antes nem depois.No quarto bloco de "Giacomo Joyce", a voz que diz "alguém quer falar com a senhorita" já comparece sem aviso, como numa página de "Ulysses".

4
Das circunstâncias particulares em que foi escrito, que fale Richard Ellmann.(2) Da paixão do professor maduro pela bela aluna judia italiana de Trieste. Dos destinos do manuscrito quase perdido, não fosse a solicitude de um irmão.Para nós interessa, sobretudo, encontrar o Joyce que conhecemos e aprendemos a admirar, senhor de todas as forças da língua inglesa, num momento fragmentário, em mosaico, isomórfico com a situação pessoal que Joyce vivia naquele momento."Giacomo Joyce" é uma novela, cinematográfica, ideogrâmica, como uma peça Nô, feita de flashes, um grande poema de amor, uma vertigem vista de soslaio.Neste texto, o arquiteto de "Ulysses" ensaiou, orquestrando relâmpagos.Bem-vindo de volta à casa, Giacomo Joyce.

Paulo Leminski Curitiba, 5 de janeiro de 1985.
Do livro "Giacomo Joyce" Editora Brasiliense, 1985
Imagem: Eugenio Recuenco

(1) É preciso entender, é claro, que a incompreensibilidade de uma obra é, como tudo mais, historicamente determinada: questão que sucessivas leituras irão pouco a pouco resolvendo, até criar em torno do corpo estranho certo número suficiente de constelações hermenêuticas, interpretações, diluições, sobretudo, que nos permita pisar no terreno firme da redundância, do já sabido, do "estou começando a entender". Em arte, o novo sempre se manifesta sob a modalidade do difícil.(Nota de Leminski)(2) Referência à introdução de Richard Ellmann ao livro "Giacomo Joyce"

domingo, 21 de outubro de 2012

Desenho de Giselda Leirner


TODOS CANTAM SUA SEMANA...
por MAX MARTINS


Domingo – Compadre, eufórico, copinho de batida de jenipapo na mão, balançava o copo satisfeito, sentado na rede armada no quintal. Sacudia a pedra de gelo no copo, semicerrava os olhos por um instante, como se quisesse ouvir melhor o ciscar das galinhas. Eram duas horas da tarde. Eu o invejava.

Segunda feira – O bilhete marcava um encontro para as dez e pedia o endosso de uma promissória. As dez encontramo-nos. Tudo foi acertado, mais quinhentos cruzeiros que lhe emprestei. Para os selos.

Terça-Feira – Debaixo do birô as pontas de cigarro atestavam o meu mau humor. O lápis arranhava o papel. Os números indo saindo indiferentes, muito cínicos. Iam alinhando-se na folha comuns diabinhos.

— Clarinha telefona. Está ainda inconsolável porque domingo não foi a Salinópolis. O senhor diretor não deu o vale para a compra do maiô. “Fiquei chateadíssima o domingo todo”. Clarinha tem 22 anos e um precário noivo na Guanabara há seis meses. Outro dia pediu que eu escrevesse pra ela uma carta “saudosa” ao Luiz. Clarinha sabe chatear.

Quarta-Feira – José me escreve do Rio. Fala de coisas “secretíssimas” é a prima Helena, sua atual amante. Todo mundo sabe. O que se ignora é se ela será a última como ele diz. “Essa mulher é pra toda vida”. Ela e Mariinha (Mariinha é sua mulher). José é um pouco complicado, mas boa praça.

Quinta-Feira – “Camões também tem borradas como toda gente e tem passos no Lusíada que são uma caceteação, a gente lê porque, por preconceito, quer dizer que leu os Lusíadas. Eu nunca li o Lusíada inteirinho. Me causa, fica pro dia seguinte e não pego mais”. Isto foi dito por Mário de Andrade, Escoei a tarde lendo as cartas dele.

Sexta-Feira – Minha filha menor me pede um laboratório químico de brinquedo para inventar uma droga que a torne invisível.
O mundo marcha. Com a idade dela eu queria um avião para descer com ele em frente à escola e raptar a professora.

Sábado – Porque é sábado, tome Vinicius. O poeta detesta as mulheres que fazem ginástica. “Ela era uma madona de formas arredondadas e modelo grande. A mulher não nasceu para as fitas métricas e, sim, para os homens que as amam”.

— Numa rede, copinho na mão (batida de maracujá), não mais o compadre. O copo está comigo e eu na rede, folheando a prova escrita da minha filha mais velha. Bahia, capital Salvador. Me vem na memória Mario Cravo e o Dr. Rui Barbosa.

— Alguém me perguntou se vou entrar para Academia. Fico admirado. Se todo mundo pensa que sou de lá... Não minto nem desminto. A Academia dá um certo cartaz. Na repartição, no ônibus, entre os vizinhos. Ruim é quando me pedem para escrever uma mensagem de aniversario para o rádio. “O Sr. Sabe. O Sr. É “imortal”, sabe manejar as palavras”. Sempre faço as mensagens. Sou uma boa pessoa, perfeitamente transitável entre meus semelhantes.

— Joca me pede um soneto para a namorada, Marco Aurélio uma gravata para uma festa. Minha mulher um pic nic, minha filha uma bicicleta. Maria quer um abraço, Meireles uma carta de apresentação. Só ainda não dei a bicicleta.



Crônica publicada no jornal A FOLHA DO NORTE, anos 1940.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ballet & metamorfose

minha mãe foi morar com outra mulher
um amor que estava já por aí ao ar livre 

mas não se desejavam em segredo: em 
segredo amar não é sempre o bastante



ney ferraz paiva
gui mohallem

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O JARDIM DO SOLAR


As fontes estão secas e as rosas acabaram.
Incenso da morte. O teu dia aproxima-se.
As peras engordam como pequenos budas.
Uma névoa azul prolonga o lago.

Moves-te através da era dos peixes,
dos presumidos séculos do porco...
A cabeça, os dedos dos pés e das mãos
saem nítidos da sombra. A História


alimenta estas caneluras quebradas,
estas coroas de acantos,
e o corvo vem arranjar as suas vestes.
Tu herdas a urze branca, uma asa de abelha.

Dos suicidas, os lobos da família,
horas de escuridão. Algumas estrelas isoladas
já iluminam os céus.
A aranha na sua própria teia

atravessa o lago. Os vermes
abandonam as suas casas habituais.
As pequenas aves convergem, convergem
com as suas dúvidas para um difícil nascimento.


Sylvia Plath
tradução: Maria de Lourdes Guimarães
imagem: Eugenio Recuenco

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

ESQUECIMENTO


Há dúzias de maneiras de se fazer isso –
de uma ponte, da traseira de um barco,
pílulas, cabeça no forno ou
embrulhada no velho casaco mink da mãe,
na garagem, uma pisada no acelerador,
o motor do Cougar rangendo
enquanto ela atravessa.

O que elas deixaram pra trás –
o esboço de um romance protelado, diários,
seus melhores poemas, o bilhete que termina em
agora você acreditará em mim,
descendência de várias épocas, cônjuges
que se preocupavam e ainda choram ou
admitem alívio agora que isso acabou.

Como elas inflamam, os velhos detalhes
expostos à luz com um ícone de vidro colorido – a espingarda na boca, o barbante no dedo do pé ao gatilho; a língua
uma ameixa azul forçada entre os lábios
quando ele se enforcou nos aposentos dela –
(para nós isso nunca acaba)

que roubou a cena, cortou o nariz,
puxou a tomada da banheira na água rósea,
quebrou janelas, fechou o gás,
passeou de ambulância, apenas minutos depois
de carregar o corpo rebentado de más notícias.
Estamos, cada um de nós, presos na armadilha deste enredo.
Deixados para trás, não há esquecimento.





Maxine Kumin
tradução: Ney Ferraz Paiva
imagem: Eugenio Recuenco

terça-feira, 2 de outubro de 2012

CONTINUUM: UM POEMA DE AMOR 

indo para a videira com
a escada de mão e o balde na
primeira chuva cortante 
de setembro chuva
embebendo o cisco

num alegre ruído o céu
levantando-se como vapor
de um tacho de uvas
a ferver selvagens uvas azedas
malvadamente altas envolvidas num sumo
de teia de aranha e espuma de inseto
indo para videira ano
após ano nós dois com uma escada de mão e balde manchado
pela chuva de uvas
nossa secreta linguagem







Maxine Kumin
tradução: Ney Ferraz Paiva
imagem: Tim Walker