o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011


Luiza menina espantalho






Sartre conta que a morte do seu pai, devolveu sua mãe à prisão e deu-lhe liberdade, porque se tivesse sido de outra forma, confessa “não há bom pai, é a regra... houvesse vivido meu pai deitar-se-ia sobre mim durante muito tempo e esmagar-me-ia”.

Para Luzia, personagem do curta-metragem “Menina Espantalho”, do diretor Cássio Pereira dos Santos, de 2008, o pai é um peso a esmagar as tentativas da menina de ler o mundo através dos livros. Limitada ao universo feminino que o pai reconhece, com a anuência da mãe, Luiza se entrega às artimanhas da invencionice infantil. Já com uma leve pitada de malícia feminina ela convence o irmão – único a receber o benefício da educação formal, por ser menino – a ensiná-la a ler.

Tudo feito na calada da noite, sob a luz trêmula da lamparina; a menina é iniciada nos sussurros das sílabas-senhas do alfabeto. Como contraponto a tentativa da mãe em adestrar a pequena Luiza nos afazeres domésticos e pouco fetichizados, como é o caso do bordado para o qual a menina não denota nenhuma habilidade. Uma alegre visão é a mãozinha dela passeando nas cerdas do arroz novinho, recém-nascido com o seu verde tenro, que no vigor da cena lembra Manuel de Barros: “Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:/Que o esplendor da manhã não se abre com faca”.

Todas as coisas atadas bem naquele ponto de junção em que a verdade dos fatos quer ser tão somente a verdade de um mundo que almeja explodir geografias, destinos, mapas – espécie de gramática expositiva do chão – descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas (Manuel de Barros). Incansavelmente a vida é lavrada em uma alegoria de que o tempo da leitura pode ser o mesmo da lavoura, uma trajetória que pode brotar em qualquer ponto entre preparar o solo e colher o alimento. Muito menos que isso compreendido, visto habitar a repetição e a intensidade de dias banais: a mãe e o seu silêncio – onde para a mulher falar é prata, calar é ouro; o pai e o semblante enraizado, endurecido – estudar é coisa para homem, embora ele mesmo não tenha podido fazê-lo.

Está tudo ali, sem ser uma definição, nem mesmo em partes menores, da vida e do mundo; sequer uma sublevação: nenhum ato é mais importante do que outro, mesmo no momento em que o pai é tomado de emoção com a leitura inesperada da carta do irmão feita por Luiza; não há ambivalências aí, há a simplicidade do ato, residindo aí toda beleza do filme: ele não quer recuperar uma cronologia histórica, nem desfraldar a bandeira iluminista. Fala apenas das coisas como elas são com a inflexão próxima de quando se lê um belo romance ou se descobre um bom poema – ou um filme singular.

Juliete Oliveira

Salgueiro-PE, janeiro 2011

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