o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sábado, 23 de outubro de 2010

o repúdio, ou a resignificação possível a geraldo pereira - um pouco mais contra o golpe de estado mediático 
por André Queiroz

Só tenho medo da falseta,
Mas adoro a Julieta como adoro a
Papai do Céu
Quero seu amor, minha santinha
Mas só não quero que me faça de bolinha de papel
Tiro você do emprego,
Dou-lhe amor e sossego,
Vou ao banco e tiro tudo pra você gastar
Posso, Julieta, lhe mostrar a caderneta
Se você duvidar
(“Bolinha de papel”, João Gilberto
Composição: Geraldo Pereira)



Esta é a música. Não se deixar fazer de bolinha de papel. Algo que se arremessa ao lixo - uma vez o uso, e o desuso que sobrevém a este. Descartar o que se fizer sujo. Quem sabe se o recicla? Tempos de coleta seletiva de lixo. As várias cores dos recipientes - verde, vermelho, azul, amarelo. Aprende-se isto nos colégios à infância. A coleta do reciclável começa por ali. Alguém ganhará algum dinheiro com isto. Um pouco à salva dos que não têm. O que dizer das latinhas de cerveja e derivados? E dos catadores de papel? Suas associações, por exemplo? Todavia, por vezes, está-se a dar outro sentido à hegemonia dos sentidos ao econômico. Uma bolinha de papel pode bem vir a ser muito mais do que umas gramas ao quilo que sustenta a alguns - e que são tantos estes alguns neste nosso agora agorinha. Uma bolinha de papel pode vir a ser bem mais do que a condição espúria daquele que fora abandonado por Julieta no samba do Geraldo Pereira. Deixar que alguém nos torne uma bolinha de papel? Pero, no basta! Por vezes, uma bolinha de papel é o que se tem à mão. Máximo signo do impoder a que se está colocado. Penso em Foucault a lembrar das formas de repúdio popular quando das sociedades de soberania - a massa dos destituídos, a massa zerada dos deixados à míngua e à condição inglória de expectador aos faustos do poder, sua celebração grandiloquente, e eis que a massa, por vezes, lançava à cara do soberano o que tinha às mãos - e o que será tinha às mãos a massa zerada dos que nada têm? Eles dispunham dos seus excrementos tirados ao calor da hora, aos humores vilipendiados, e ainda quente, a condição morna do que se lhes escorria, eles a lançavam às fuças da tradição que os negava, que os excluía.



De lá aqui, deu-se a condição de alfabetização de muitos - mesmo que sob a condição de sua 'inalfabetização' social. Trazer consigo uma bolinha de papel amassada é estar incluído em programas sociais d'algum modo, digamos assim. É dispor do que se lhes chega à intenção da boa educação. Ter onde escrever o que se aprendeu, e ter onde mostrar que se aprendeu o escrever. Um papel talvez sirva a isto. Digamos que sim. São horas, sabemos, a outros modos de escrita – a escrita virtual. Novas inclusões, e novas exclusões – um novo ponto de corte. Certo, certo. Talvez quando se inclua ao digital, se exclua ao uso contumaz da folha de papel. Alguns resistem, alguns. Os nostálgicos talvez. Ou os amigos das madereiras talvez. Vá se saber a quantas se fazem as possibilidades de expressão do ser!



Mas eis que se tem, por vezes, à mão uma folha de papel - e ali seria uma carta, um bilhetinho de última hora, uma conta a ser paga, ou ali seria o começo da coleta ao tanto do quilo aos catadores de papel – que todos somos em potencial. Todavia, nada que isto! Ou melhor, tudo isto, e muito mais ainda, e veja o tanto que temos à mão da imaginação – todos os possíveis que se pode depositar ao uso bom uso de uma folhinha de papel, e então, supremo desprendimento: fazer da folha um algo que se amassa, fazer do amassado o peso simbólico de uma pedra, de um tamanco, de uma catedral (lembrança de há pouco um Mássimo Tartaglia a lançar uma 'catedral' às fuças de Berluscconi), um paralelepípedo, como numa intifada. Lançar o que se tem às mãos ao rosto deslavado da canalha, o canalha ali. Lançar o que se dispõe a ver se não tarda a hora ao recolhimento da corja de há tanto! Lançar bolinhas de papel como quem promove uma intifada. Lançar bolinhas de papel como quem tem às mãos o bolo ainda quente fornalha desde os interiores, e dali o nosso produto bem acabado, revolvido o retento o retesado o ainda retido, o rebento –  trazer à mão a bolinha de papel que é desde as vísceras que ela nos chega e lançar, lançar, lançar a ver se se acerta o rosto dos que não tem a honra de dar a cara aos tapas.

Um comentário:

  1. imagina, nem é bom, quantos dormentes/metros avançarão da Transnordestina, se o Serra ganhar a leição? e a Amazônia? O Nordeste voltará à seca e á fome - memória e palmatória a ele!!!

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