o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sábado, 7 de agosto de 2010

UM GUARDA-CHUVA NO CAOS: D. H. LAWRENCE




A poesia, dizem, é uma questão de palavras. E é verdade, tanto quanto a pintura é uma questão de tinta e o afresco, uma questão de água e ocra. Mas isso está tão longe de ser toda a verdade que soa um tanto simplista quando dito secamente.

A poesia é uma questão de palavras. A poesia consiste em combinar palavras para fazê-las ondular e vibrar e colorir. A poesia é um jogo de imagens. A poesia é a iridescente sugestão de um ideia. A poesia é todas essas coisas e, contudo, é algo mais. [...]

A qualidade essencial da poesia consiste em que ela exige um esforço renovado da atenção, e que “descobre” um mundo novo no interior do mundo conhecido. O homem, e os animais, e as flores, vivem todos dentro de um caos estranho e permanentemente revolto. Chamamos cosmo ao caos ao qual nos acostumamos. Chamamos consciência – e mente, e também civilização – ao indizível caos interior de que somos compostos. Mas trata-se, em última instância, do caos, iluminado por visões, ou não iluminado por visões. Exatamente como o arco-íris pode ou não iluminar a tempestade. E, tal como o arco-íris, a visão perece.

Mas o homem não pode viver no caos. Os animais podem. Para o animal tudo é caos, havendo apenas algumas poucas e recorrentes agitações e aparências em meio ao tumulto. E o animal fica feliz. Mas o homem não. O homem deve envolver-se em uma visão e construir uma casa que tenha uma forma evidente e que seja estável e fixa. No pavor que tem do caos, começa por levantar um guarda-chuva entre ele e o permanente redemoinho. Então, pinta o interior do guarda-chuva como um firmamento. Depois, anda à volta, vive, e morre sob seu guarda-chuva. Deixado em herança a seus descendentes, o guarda-chuva transforma-se em uma cúpula, uma abóbada, e os homens começam a sentir que algo está errado.

O homem ergue, entre ele e o selvagem caos, algum maravilhoso edifício de sua própria criação, e gradualmente torna-se pálido e rígido embaixo de seu pára-sol. Então ele se torna um poeta, um inimigo da convenção, e faz um furo no guarda-chuva; e oba!, o vislumbre do caos é uma visão, uma janela para o sol. Mas depois de um certo tempo, tendo se acostumado à visão, e não lhe agradando a genuína golfada de ar do caos, o homem do lugar-comum rascunha um simulacro da janela que se abre para o caos, e remenda o guarda-chuva com o remendo pintado do simulacro. Isto é, ele se acostumou à visão; ela faz parte da decoração de sua casa. De maneira que o guarda-chuva finalmente parece um amplo e brilhante firmamento, de vistas variadas. Mas, que pena!, é tudo simulacro, feito de inumeráveis remendos. Homero e Keats, cheios de anotações e acompanhados de um glossário.

Esta é a história da poesia em nosso tempo. Alguém vê Titãs no ar selvagem do caos, e o Titã torna-se uma parede entre as sucessivas gerações e o caos que elas deveriam ter herdado. O céu selvagem pôs-se em movimento e cantou. Até isso torna-se um grande guarda-chuva entre a humanidade e o céu de ar fresco; ele tornou-se, então, uma abóbada pintada, um afresco num teto abobadado, sob o qual os homens empalidecem e se tornam infelizes. Até que um outro poeta faça um buraco no amplo e tempestuoso caos.”


D.H. LAWRENCE – in Selected Critical Writings, p. 234.


Nota: Deleuze e Guattari em O que é Filosofia (Editora 34, ) retomam de modo brilhante este texto de D. H. Lawrence. Você verá também um estudo sobre o Apocalipse a partir de Lawrence em: Nietzshe e São Paulo, D. H. Lawrence e João de Patmos – in Gilles Deleuze, Crítica e Clínica. Tradução de Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997.

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