o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

o passado segundo emily dickinson

a sorte é ele voltar
à morte
deixar que o enterremos
novamente

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A morte trabalha conosco no mundo: poder que humaniza a natureza, que eleva à existência o ser, ela está em nós, como nossa parte mais humana; ela é morte apenas no mundo, o homem só a conhece porque ele é a morte por vir. Mas morrer é quebrar o mundo: é perder o homem, aniquilar o ser; portanto, é também perder a morte, perder o que nela e para mim fazia dela morte. Enquanto vivo, sou um homem mortal, mas, quando morro, cessando de ser um homem, cesso também de ser mortal, não sou mais capaz de morrer, e a morte que se anuncia me causa horror, porque a vejo tal como é: não mais morte, mas a impossibilidade de morrer.

Maurice Blanchot


domingo, 20 de junho de 2010

hoje 20 de junho aniversário de MAX MARTINS - este poema foi publicado no seu último livro COLMANDO A LACUNA (2001) e fala deste dia que se repetiu felizmente por 82 anos. max, um velho que sabia - um menino que brincava. temos saudades!

OS ANOS DESTE DIA
Calar também o lado só
de estar
De agora estares
a cuspir o gosto
de despojo
de tua alma
quente
na tua boca
o alto mar da fala
desfalecendo
neste velho dia
como um cão
no fundo
do fundo de si mesmo
exausto





MAX MARTINS
imagem: Octávio Cardoso

sábado, 19 de junho de 2010

OS MORTOS

As covas cada vez mais fundas.
A cada noite os mortos mais mortos.


Sob os olmos e a chuva de folhas,
As covas cada vez mais fundas.


Rajadas escuras de vento
Cobrem a terra. A noite é fria.


Folhas voam contra as pedras.
A cada noite os mortos mais mortos.


Abraça-os a noite sem estrelas.
Seus rostos se apagam.


Não podem lembrá-los
Com suficiente nitidez. Nunca poderemos.









Mark Strand
Imagem: Frank White

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Verão com Max

Na volta do lago,
passando as lentas cabines
sob o Loser
                  (madeira ressoante
inchada de sombra
e vozes, oeste-estanque, sol na mata)
afrouxo a marcha,
ponho pedras no sapato,
ando teu passo. Para te acompanhar.


Tua mão come
na minha mão.
Sou teu pai: "És meu pai."



Age de Carvalho, Caveira 41. 7 letras
imagem: Béla Borsodi

quarta-feira, 16 de junho de 2010

lágrimas amargas de rainer werner fassbinder

fazer alguma outra coisa próximo às estrelas
(mas eu não quero que vocês me amem)
fazer alguma outra coisa sob águas profundas
(mas eu não quero que vocês me lembrem)
fazer alguma outra coisa contra o sofrimento
(mas eu não quero que vocês me perdoem)
fazer alguma outra coisa entre o amanhecer & o fim
(mas eu não quero que vocês me tirem das profundezas do silêncio)


o amor
mesmo o mais forte
é mais frio do que a morte
estou a ponto de vomitá-lo da minha boca




ney ferraz paiva

terça-feira, 15 de junho de 2010

MORRER É UMA COISA INDESTRUTÍVEL (manoel de barros)
-INTERRUPÇÃO-

HOMENAGEM A WILSON BUENO HOJE CASA DAS ROSAS 19:30 h - que bom que assim se faça. daqui mando minha homenagem: wilson bueno nos seus 61 anos de vida, bem como nos anos de literatura, foi mais do que uma aparição - alimentou nosso pensamento, ajudou-nos a afrontar um pouco mais o cotidiano, a agitá-lo, a nos pôr em movimento. homem e escritor intenso, inseparáveis - um acontecimento que nenhuma literatura pode dispensar, se dar o luxo de perder - e nós o tivemos, o temos e vamos continuar a ter e a amar.



ney ferraz paiva
















Vi uma foto de Anna Akhmátova
numa oferta de segunda mão
em livraria de terceira
fechando as portas também baratas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa


VI UMA FOTO DE ANNA AKHMÁTOVA, livro do extraordinário escritor FERNANDO MONTEIRO, editado pela Fundação de Cultura Cidade do Recife,
leia-se: Heloísa Arcoverde de Morais, 2009.
imagem: Kerstens

domingo, 13 de junho de 2010

Escrevo para me percorrer, Henri Michaux




Há doenças que, quando curadas, deixam o homem sem mais nada, Henri Michaux.
Tinha mais do que cinco sentidos, disse-o num dos seus poemas. “O da falta”, era um deles. Ou “seria antes uma grande floresta, daquelas que já não existem na Europa há muito tempo”?
Percorreu os territórios sensoriais e geográficos contra os incêndios que deflagram nas “florestas” mais íntimas e oclusas do ser.
Foi queimador de ópio na Ásia; foi “queimador” de charque e ayohasca na Amazônia; da morfina parisiense ou da mescalina no Cairo (experiências de pouca monta), mais do que tudo, foi um queimador de paisagens interiores. Fogos vitais a que supra-viveu; outros, nocivos e pouco fátuos, levaram-lhe partes da vida (Marie Louise Ferdière, sua mulher, Alfredo Gangotena, poeta-companheiro de viagem, Susana Soca, amiga íntima, todos morreram queimados).
Vida poética também inspirada pelo vazio (Michaux dixit), pela força furibunda do vazio. Vazio e fogo, o rastilho existencial deste homem de coração débil, “pequeno buraco no peito” do qual sobrava sempre a lavra da poesia (da sua poética), medonhamente inextinguível.
Ferida aberta que devora, tritura, aniquila aniquila, tritura, devora. É impossível a fixação dos seus textos: fugidios, escapáveis, metamorfoses furtivas, degenerativos, “meidosens”… Michaux foi sensacionista pessoano sem fronteiras e limites de heteronímia. “Tão-pouco quero reproduzir seja o que for do que já está no mundo”.
Assim jogou tudo – vida-morte, lucidez-loucura – com a sua própria pele; ajustou contas consigo e com o mundo através das suas artérias. “Escrevo para me percorrer. Pintar, compor, escrever: percorrer-me. Reside nisto a aventura de estar vivo”.


Henri Michaux 
Imagem: Helena Almeida

Henri Michaux (mudado para português por Herberto Helder)

sábado, 12 de junho de 2010

Náusea Ou é a Morte Que Se Aproxima?

















Rende-te, coração.
Lutamos tempo demais,
Que se acabe a minha vida,
Não fomos cobardes,
Fizemos o que pudemos.
Oh! Alma minha,
Ou ficas ou vais,
Tens de te decidir,
Não me apalpes assim os órgãos,
Ora com atenção, ora com desvario,
Ou vais ou ficas,
Tens que te decidir.


Eu, por mim, não posso mais.
Senhores da Morte
Nem vos aplaudi, nem blasfemei contra vós.
Tende piedade de mim, viajante de tantas viagens sem
bagagem,
Sem amo, sem riqueza, sem glória,
Sois de certeza poderosos e ainda por cima engraçados,
Tende piedade deste homem transtornado que antes de
saltar a barreira já vos grita o seu nome,


Apanhem-no no ar,
E, se for possível, que se adapte aos vossos
temperamentos e costumes,
Se vos aprouver ajudá-lo, ajudai-o, peço-vos.

henri michaux “equador”
trad. de ernesto sampaio fenda 1999
imagem: Helena Almeida

quinta-feira, 10 de junho de 2010


Quando soube da notícia da morte de Wilson Bueno, lembrei de ter separado dos meus arquivos duas ou três matérias a seu respeito – eu tinha conversado com o escritor André Queiroz em torno de alguns autores, dentre eles João Gilberto Noll, alguma coisa sobre ter lido e ter gostado de “Harmada”, e durante a conversa, mesmo sem ter mencionado, me veio a lembrança de Bueno, certamente porque seu nome está ligado aos grandes nomes da literatura recente, aqui e alhures. Pensando agora, talvez eu não tenha mencionado o Bueno ao André porque em algum instante de sua obra eu entendesse tratar-se de uma gênese, de um nascimento – de uma narrativa que não se atém ao gênero e se dispersa em tantas direções até o limite indizível e possível. E terá sido este o Wilson Bueno – ferido por uma facada, morto, desaparecido numa noite angulosa de Curitiba? Terá sido? Com uma facada no pescoço? Como se morre assim para além de toda ficção? Onde é que você se coça e... morre...? onde? como? Teria podido ser de outro modo? Há algo que os mortos escondem de nós.
Quase
















Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro
imagem: Andreas

terça-feira, 8 de junho de 2010


Eu queria ser mulher pra me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.
Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e a fazer "potins" - muito entretida.












Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -
Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,
Que num homem, francamente, não se podem desculpar.
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a todos - mesmo ao predilecto -
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto.
Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes...
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar...
 
Mário de Sá-Carneiro
Imagem: Madame Yevonde