o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O LIVRO INFINDÁVEL















Folheio o livro
infindável
em temas
e termos
e resumos
e resenhas
e cálculos
e artifícios
e artilharia
pesada

releio o texto
e desconcerto
palavras em letras
indispostas
aos olhos
fechados

o livro infindável
multiplicado
em páginas
repete passagens
de errados personagens:

os mortos
os amortecidos
as mortalhas
a sensação indecifrável
do mistério na página
seguinte.

Absorvo o tema e o contemplo
em escala: a janela
do mundo transportada
à página anterior.

O livro infindável traz
a perda de tempo. O tremor
da terra devastada.

Nenhuma vírgula acrescentada
ou diminuída. Nenhum ponto de vista
encontrado ou escondido.

Na infindável história em capítulos
e subtítulos o livro se depara com a vontade
férrea do leitor. O livro nas mãos.

Em qualquer cidade, na espera, na angústia
da ante-sala do hospital. A aproximação do clímax
e a antecipação da vida repetida.

Uma vez estive aqui penso
como leitor
e folheio a página infindável
do livro. Pela lombada calculo
a quantidade de folhas e a multiplicidade
das páginas.

Não imagino o peso entreolhado no vértice
do conto, do romance; no hemistíquio
do poema declamado.

Infindável o corpo se junta ao livro
e sonham finais infelizes, finais
acalorados em beijos. Finais
inexistentes.

Ao contrário do prometido
o mundo se revela ingrato ao leitor
amigo: esmigalhado entre
conceitos e a concepção da história.

O livro infindável confia
ao homem a leitura do tempo
em espaços intercalados.

Dimensão: sonho a continuação
da história em palcos, em cinemas
desfeitos em estacionamentos.

A infindável história destruída
no silêncio dos automóveis estacionados.

O som da buzina, o ranger dos freios,
o personagem atropelado sobre o friso
central do palco: a rampa leva o carro
ao centro e o desfaz em capítulos.

Infindável livro: melancólico
em tristezas disfarçadas; saudoso
no sono e o sonho de páginas percorridas
com a ponta do dedo molhado no virar
a página seguinte e seguinte e seguidamente
destituída do caminho.

A mesma página reduz dramas
em comédias. A tradução em introdução.

O remédio entre duas e três
palavras ditas em repetições.

A dimensão inexata: leio e releio a página atual
e busco ao molhar o dedo a folha seguinte.

Infindável parábola metaforicamente
recolhida ao dia. O rubor da face diante
do desconhecimento do elenco formatado
na recontagem da história.

Leio o título e tateio o livro:
sobram espaços vazios de leituras
não iniciadas. A infindável vida
desregrada aos óbices
e o sexo permissível
aos homens de vontade
insubmissa à criação
literária.

O livro: capa, apresentação, dedicatória,
prólogo, sobrecapa, texto.

O primeiro capítulo: a letra decora
o início do texto. A sobrecarga
de tinta sobre a palavra dita
em mágica retórica.

Iniciado, o livro se demonstra infindável
em vicissitudes e tragédias. O riso esplendoroso
dos adjetivos e a aspereza das palavras
em cantos dedilhados como músicas.

Permanece o infindável assunto:
remete o leitor à profundeza
grandeza
altivez
ao alto espaço
percorrido
na civilização
incorporada
como texto.

Fecho o livro, apago minhas marcas
sobre o insucesso da leitura. Destaco
em riscos o ranger dos dentes.

O livro permanece infindável na estante
onde repousa o instante inicial do personagem.

Pedro Du Bois, inédito

2 comentários:

  1. Caríssimo Ney, agradeço pela gentileza na divulgação do poema. Abraços, Pedro.

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  2. Pedro, é o mínimo que se pode fazer: divulgar, dar a ver o que tem força e potência para que a poesia e o poeta voltem a seu lugar. E que a escrita possa doravante pressupor encontros, embates, singularidades. Abraços.

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