o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009



Conheci o Chico Espinhara uma certa noite em Castanhal, cidade próxima a Belém, lá pelos idos & corroídos anos 1980. Líamos poesia já nem sei mais onde, num lançamento, nem sei mais de quem. Batemos papo, tomamos umas, todas. Ele me falava do Recife, cidade com que também tenho íntima relação. Os tempos eram insípidos para os poetas. E tudo passou. Pra minha surpresa, quando fui lançar “Nave do Nada” no Recife, em 2004, nos reencontramos noutro lançamento, o do poeta Erickson Luna, promovido pelo Movimento Escritores Independentes de Pernambuco, lá pras bandas de Afogados, conduzido até á por ninguém menos que Pedro Américo de Farias. Conversa-vai-conversa-vem terminamos por rememorar o encontro de tantos anos atrás. Escutei atento e comovido Espinhara falar de suas angústias, impaciências, inquietações com a literatura, sua produção, as novas edições que se fazia dos poetas marginais da cidade. Apresentou-me a vários desses poetas, seus amigos. Todos trabalhadores, sempre com um poema novo pronto pra recitar. Poesia demais, gente demais, suportamos demais. As consequências da paciência. Dei a ele um exemplar da “Nave”, ele me fez outra presença, e fomos embora mais uma vez pela noite. Perdidos numa sintonia estranha com a poesia e a vida. Os tempos seguem insípidos para os poetas. E tudo passou. Agora me surpreendo com a retrospectiva “notícia” da sua morte, ocorrida a 13 de fevereiro de 2007, em pleno carnaval.

Não vou a enterros.
Que o morto
Se guarde no que é seu.
Se incorro em erro,
Perdoem-me: irei ao meu.

Bom saber que seu “Sangue Ruim” saiu logo no ano seguinte (2005) e “Bacantes” em 2006. Um poeta múltiplo e indisfarçavelmente ativo em seu niilismo. E um Nordeste imenso onde tudo parece estar contra. E está.

FANTOCHES

Os fantoches da rua Sete
Seguem cegos na procissão.
A puta diurna da Palma
Traz uma venérea na alma
E uma cova diária na mão.

Da Ponte Velha a secular ferrugem
Reticente ao trajeto branco da nuvem
Come o estrado, o arco, o vergão.
Os poetas esquecidos no beco
Transam sangue a trago seco.

Dormem como trapos sobre o chão.
Recife, musa, maldição
Cadela suja, traiçoeira
Seta certeira
Encantada cidade do cão.

Cidade porvir, poeta de prefigurações. Um amálgama de noites sem fim.

Ney Ferraz Paiva

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