o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

sábado, 31 de outubro de 2009

a poesia de ana cristina cesar se encontra sempre no meio, entre as coisas boas que se faz na literatura pelo brasil – é um rizoma. fez da escrita mais do que a escrita, e aí se difere substancialmente do grupo de poetas da chamada “geração mimeógrafo” em que despontou, quase todos escrevendo para se tornar escritor. ana só conseguiu tornar sua a poesia, cheia de brevidade e intensa amplidão.

Cenas de abril (1979), Correspondência completa (1979), Luvas de pelica (1980), ao contrário do que os títulos possam sugerir, nada tinham de história privada; a poesia aí se lançava, desapegava-se das coisas feitas, repressivas, disciplinares – misturava-se à diferença.

por tudo isso, não se trata mais de colocar a notoriedade de ana na balança. 26 anos depois de sua morte, ela segue múltipla, no silêncio e na invisibilidade, na perpendicularidade, nas transformações possíveis, nas vigílias que prosseguem os que prosseguem, atentos passageiros da noite.

signé ana c.

toquei minha mão justo na mão de ana
portas nos separam ou nos mudam de lugar?
agora me pergunto se a presença do corpo é mesmo indispensável
não saber estilhaça meus sentidos
giro em torno do vazio feito um cão atrás da cauda
(quando criança costumava encher o rosto de creme
sempre foi de longe a mais vaidosa
musa transviva do amanhecer
depois namoros na praia & na montanha
a dor de pegar o avião & ir embora
a mãe amélia disfarçada em luiza
luz é símbolo da beleza absoluta)
vivo sem saber como vai ser o dia
uma escritora está sempre atrelada a seu personagem
ensaio palavras em francês pra ela ouvir
recados luminosos espalhados pelos quatro cantos do mundo

ney ferraz paiva, não era suicídio sobre a relva
fundação de cultura cidade do recife, 2000

Nenhum comentário:

Postar um comentário