o verão envelhece, mãe impiedosa (Sylvia Plath)

segunda-feira, 30 de março de 2009

ARTES VISUAIS CARA A CARA


A única coisa que é interessante definitivamente, é influenciar, é estabelecer um contato, comunicar, enfiar um prego na passividade e na indiferença das pessoas.
Ingmar Bergman



“Reencontro com Shthuart’s”, exposição coletiva de artistas visuais de Palmas, Araguaína e Ananás, composta de 30 obras, entre escultura fotografia, pintura e colagem, é uma bem-vinda tentativa de mostrar não só o talento e a criatividade dos artistas, como constitui-se também, a partir da descentralização e do intercâmbio de conhecimentos e procedimentos artísticos, um desejável encontro para a apreciação de diferentes experiências e propostas sobre as possibilidades criativas das artes visuais e suas modalidades no Tocantins.

A mostra é a primeira realização da Associação de Artistas Visuais do Tocantins – AVISTO, com apoio da UFT, Fundação Cultural do Tocantins e das prefeituras municipais, e pretende circular além de Araguaina, por Gurupi, Porto Nacional e Palmas. É bom que assim seja. A arte deve alcançar seus diferentes públicos, inquietar, expor os bocados duros de roer, levar as pessoas a pensar. No seu âmago, a arte não é entretenimento. Não se está cortejando o favor do público nem das instituições. Hamlet já advertiu e desqualificou a todos que assim o fazem, ainda que muitos continuem a fazer. A exposição, ao que parece, quer recorrer a um tempo e relação de inquietude, face a face, cara a cara.

Mesmo sem ter nenhuma de suas obras expostas, o artista Shthuart’s, que viveu e atuou em Araguaína por duas décadas, empresta seu nome à exposição, e talvez seja certo dizer que ele faz parte do contingente mais significativo da arte contemporânea no estado. Shthuart’s morreu em 1994, entretanto permanece como uma intromissão violenta no tempo, uma observação da beleza a longa distância, uma vez que de suas esculturas, cerca de três mil, não tivemos ainda como estimar o paradeiro.

Em torno dessa efervescência produtiva e da precariedade de circulação da obra de arte, o ator Bil, da Companhia Ciganos de Teatro, deu seu depoimento, na abertura da exposição, sobre um artista que não se acomodou a seu destino, acordado pelo trovejar das chuvas e dos rios, atento ao clamor das árvores e dos pássaros, num tempo ainda em que as questões ambientais não transitavam na grande mídia, muito menos tinham o forte apelo publicitário dos dias que correm. Shthuart’s fez de suas esculturas os gestos apaixonados de uma dança da natureza. Um rito de beleza e de assombrosa destruição.

Uma amizade na obra. Um encontro neutro. De imagens, formas e palavras, não apenas paralelas, mas cruzadas, já que houve ainda àquela noite o lançamento do livro “Leituras de Textos de Autores Tocantinenses”, em que pela primeira vez a crítica especializada se lança em torno da produção literária feita no Tocantins. Sob a organização da professora Hilda Gomes Dutra Magalhães, o livro aborda e investiga a obra de quinze autores que atuam no Tocantins. Quando isso acontece à literatura, produz grandes efeitos. Certamente mais que os milhões gastos em qualquer salão ou feira do livro. Cultura erudita e sofisticada custa dinheiro, isso é uma verdade imutável. Mas é preciso ter coragem de dizer que é ela que torna a sociedade melhor. E que não se justifica o desabusado investimento público e privado na mesmice e na mediocridade. Patrocinando uma sociedade encarquilhada e encoberta pelos clichês.

Ney Ferraz Paiva

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